Os vibriões enteropatogênicos: risco emergente para a saúde pública mundial associado a frutos do mar
O que são os vibriões enteropatogênicos?
Os membros do gênero Vibrio são bastonetes móveis Gram-negativos, que geralmente produzem oxidase e catalase. Mais de 100 espécies de Vibrio foram descritas e cerca de uma dúzia delas demonstraram causar infecções em humanos (Codex, 2010; Hartnell et al., 2019). As espécies mais associadas a infecções de origem alimentar incluem V. parahaemolyticus, V. vulnificus e V. cholerae (FDA-2012).
As cepas patogênicas do V. parahaemolyticus transportam genes de virulência que codificam a hemolisina termoestável (tdh) ou a hemolisina relacionada a tdh (trh), ou ambas. As cepas virulentas representam menos de 3% de todas as cepas de V. parahaemolyticus isoladas do ambiente ou dos alimentos (EFSA, 2012).
Os mecanismos patogênicos do V. vulnificus não estão claramente embasados e a sua virulência parece ser multifatorial; por conseguinte, todas as cepas são consideradas virulentas Codex, 2010).
Os únicos sorogrupos de V. cholerae patogênicos atualmente reconhecidos como causadores de surtos significativos de cólera, são o O1 (principalmente os sorotipos Inaba e Ogawa) e o O139 (FDA,2012; Codex, 2010). Os principais determinantes da virulência da cólera por V. cholerae, a toxina da cólera e o pili, corregulados, são partes de elementos genéticos móveis transferidos horizontalmente (Kumar et al.,2020) As cepas de V. cholerae Não-O1/O139 são menos patogênicas (EFSA, 2012).
Quais são os riscos para os consumidores?
A virulência dos vibriões enteropatogênicos é responsável pelos sintomas gastrointestinais, ou seja, cólicas abdominais, náuseas, vômitos, febre, diarreia aquosa de leve a grave, observada durante a infecção (FDA, 2012). Induzem principalmente a enormes perdas de eletrólitos e água nas células do epitélio intestinal humano.
A gastroenterite é geralmente leve ou moderada e autolimitada em pessoas saudáveis. No entanto, em pessoas susceptíveis (imunocomprometidos, diabéticos, portadores da AIDS, etc.), as infecções podem ser mais graves e requerem hospitalização, e potencialmente causar sepse ou morte.
O V. vulnificus e o V. parahaemolyticus também podem causar infecções em feridas relacionadas a manipulação de peixes ou crustáceos, ou quando uma ferida pré-existente é exposta a águas marinhas ou estuarinas contaminadas. Além da inflamação no local da ferida, a infecção pode tornar-se sistêmica, podendo levar os afetados a desenvolver febre, estado mental alterado, e a hipotensão. As lesões secundárias requerem frequentemente debridamento cirúrgico ou amputação (FDA, 2012).
A ingestão de grandes números (10 6 - 10 9) de células de Vibrio é o que geralmente leva a desenvolver uma infecção. Contudo, mesmo que o nível inicial de contaminação seja baixo em um produto contaminado pela água do mar, o risco de infecção aumenta rapidamente por causa da elevada taxa de crescimento das espécies de Vibrio, especialmente quando em condições de armazenamento inadequadas (EFSA, 2012). Existe uma correlação entre a probabilidade de infecção e os meses mais quentes, quando as temperaturas da água são superiores a 15°C (FDA, 2012).
O Vibrio é reconhecido como uma causa primária de gastroenterite bacteriana associada ao consumo de marisco em muitas áreas do mundo, incluindo a Ásia e os EUA. O número de infecções relacionadas com estes agentes patogênicos aumentou desde 1990 (Codex, 2010; EFSA, 2012). Existe evidência robusta que sugere que as alterações climáticas, associadas a fatores epidemiológicos e demográficos, aumentam a propagação geográfica e a incidência destes agentes patogênicos a partir de alimentos (Hartnell et al., 2019).
Dados principais:
O CDC - EUA, estimou que cerca de 50.000 infeções ce origem alimentar por Vibrio ocorrem anualmente nos EUA e que as taxas de hospitalização e mortalidade variam entre 22,5% / 0,9% por Vibrio parahaemolyticus (86% de origem alimentar) até 91,3% / 34,8% para V. vulnificus (47% de origem alimentar) (Scallan et al., 2011). Em comparação com outros grandes agentes patogênicos de origem alimentar, o número de infecções por Vibrio também parece aumentar gradualmente; em comparação com 2016-2018, a incidência de Vibrio nos EUA em 2019 (0,9 casos / 100.000) aumentou significativamente (79%) (CDC, 2020).
Qual a forma de transmissão dos vibriões enteropatogênicos?
O V. parahaemolyticus, Vibrio cholerae, e Vibrio vulnificus são comuns em ambientes marinhos tropicais e temperados; a sua distribuição está fortemente associada à salinidade da água. O V. cholerae ocupa habitats de água doce e salobra, introduzidos principalmente através de fezes humanas, enquanto que o V. vulnificus está presente em ambientes com níveis intermédios de salinidade e o V. parahaemolyticus prefere ambientes mais salinos e pode estar presente em águas pouco profundas (EFSA, 2012). A epidemia por V. cholerae está circunscrita aos países em desenvolvimento com climas quentes (Codex, 2010).
Os vibrios estão concentradas no intestino dos moluscos filtradores, como ostras, amêijoas e mexilhões, onde podem multiplicar-se (EFSA, 2012).
Normalmente, as infeções por Vibrio são iniciadas pela exposição à água do mar, consumo de produtos do mar crus ou mal cozidos (Hartnell et al., 2019) ou água potável contaminada com V. cholerae (Codex, 2010; FDA, 2012).
Que indústrias são afetadas por vibriões enteropatogénicos?
Os alimentos associados a infecções por Vibrio incluem lagostins, lagostas, camarões, cavala frita, mexilhão, atum, salada de mariscos, ostras cruas, carne de caranguejo cozida a vapor, vieiras, lulas, ouriços-do-mar e sardinhas.
Estes produtos incluem mariscos crus e parcialmente tratados (tratamento térmico, alta pressão) ou mesmo frutos do mar tratados extensivamente, mas posteriormente expostos a contaminação cruzada pela produção de alimentos em ambientes contaminados.
A refrigeração inadequada de frutos do mar contaminados com Vibrio pode permitir a rápida proliferação de células bacterianas, devido às suas elevadas taxas de crescimento, acompanhando o aumento do risco de infecção. O Vibrio consegue sobreviver por longos períodos em alimentos refrigerados e congelados (EFSA, 2012, 2021; FDA, 2012).
Como evitar e controlar os vibriões enteropatogênicos na indústria?
As preocupações de segurança dos alimentos associadas a vibriões enteropatogênicos e pescados levaram ao desenvolvimento, por entidades científicas ou reguladoras, de avaliações de risco específicas e de potenciais estratégias para gerenciamento e controle de risco (FDA, 2005, 2019, 2021; Codex, 2010; EFSA, 2012; FAO, 2016)
Tudo isso embasa tanto as regulações específicas relativas a pescado (21CFR parte 123) como os requisitos mais abrangentes das regulações da UE e dos EUA i) para a prevenção da adulteração (UE 178/2002; Federal Food, Drug & Cosmetic Act,1938; FDA-FSMA, 2011) e ii) para a implementação obrigatória de sistemas de controle baseados e HACCP e boas práticas de higiene/fabricação (FDA 21CFR 1 et al., EU 852/2004).
Como detectar a presença de vibriões enteropatogênicos na indústria?
As regulações da UE e dos EUA exigem especificamente que os empresas do setor de alimentos efetuem testes microbiológicos para validar e verificar a eficácia dos seus sistemas de controle baseados em HACCP e boas práticas de higiene (EU 852/2004; 2073/2005; FDA-FSMA, 2011).
Então, ainda que sem quaisquer critérios microbiológicos regulatórios formalizados para Vibrio (EFSA, 2012; Hartnell et al, 2019; FDA, 2021b), o monitoramento microbiológico para Vibrio enteropatogênicos é frequentemente adotado por órgãos reguladores (UE 625/2017) e por empresas de alimentos (FDA, 2019; FCD, 2020), principalmente visando a proteção do consumidor mas também para a prevenção tanto de recalls obrigatórios de produtos (FDA-FSMA, 2011; UE 178/2002) como de penalidades legais.
Foram elaborados diferentes métodos microbiológicos tradicionais ou moleculares para a detecção, a contagem, a identificação das espécies e para a determinação da virulência de Vibrio para apoiar a gestão dos vibriões enteropatogênicos em diferentes fases, desde o monitoramento em áreas de cultivo até a investigação de surtos envolvendo Vibrio, incluindo a verificação do processo pós-colheita e o teste do produto acabado.
Os métodos incluem:
- métodos normalizados nacionais ou internacionais (ISO 21872:2017 e 2020, Hartnelll et al., 2019, FDA, 2004, 2017; US-EPA, 2010, FAO, 2016),
- e métodos alternativos validados (AOAC) desenvolvidos para os mesmos fins. Em comparação com os métodos padrão, estes métodos trazem facilidade de utilização e/ou redução do tempo para a obtenção dos resultados.
A BioMérieux fornece aos gestores de segurança dos alimentos reais soluções em microbiologia para a gestão eficaz dos riscos por Vibrio enteropatogênicos ao longo da cadeia.
SOLUÇÕES E PRODUTOS DA BIOMÉRIEUX
Preparo de amostras e meios de cultura:
- DILUMAT® diluidor gravimétrico
- SMASHER® homogeneizador de laboratório
- MASTERCLAVE® para preparo automático de meios de cultura
Meios tradicionais de cultura:
Grande variedade de meios de cultura tradicionais
-REF 04189 Água Peptona Alcalina (APW) Para o enriquecimento seletivo e cultivo de espécies de Vibrio - pacotes de 10 x 10 ml
- REF AEB153182 TCBS Para a detecção de Vibrio em alimentos - 500g
Meios de cultura cromogênicos segundo a norma ISO 21872-1:2017:
- O CHROMID® Vibrio Agar (VID) pode ser utilizado como meio de segunda escolha pelo laboratório, em paralelo com o TCBS, como recomendado pela norma ISO 21872-1:2017 e pelo International Journal of Food Microbiology 157 (2012) 189-194 (Rosec J.Ph et al.)
Identificação:
- Galerias bioquímicas API® API 20E, API Rapid 20E, ID32E, Rapid ID32E
- Sistema bioquímico automático VITEK® 2 GN
- Tecnologia VITEK® MS MALDI-TOF
Referências
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