PARTE 4 - Detecção de deterioração da cerveja: que fatores devem ser levados em conta na escolha da tecnologia de teste mais adequada?

Vimos então que sempre é o momento certo para a sua cervejaria implementar os testes de controle de qualidade para a detecção da presença potencial de deteriorantes como uma parte do seu programa de gestão de controle de qualidade, visando preservar a qualidade das suas cervejas e a reputação da sua marca.
Estabelecemos objetivos para o plano de controle de qualidade em em relação ao que é ou não é nível de risco aceitável. A equipe de produção e a equipe de gestão estão alinhadas com os seus objetivos. Além disso, definimos os pontos críticos onde pretende-se testar, quais organismos e com qual frequência devem ser testados. Em resumo, o seu plano de controle de qualidade está ganhando forma.

Agora é preciso analisar que tecnologia utilizar para a realização dos testes ou se deve se limitar a apenas uma. O primeiro passo é rever a sua estratégia e objetivos de controle de qualidade e discuti-los com os responsáveis, para decidir quais devem ser os requisitos de teste:

1) Qual o tempo necessário para a obtenção dos resultados (por exemplo, no caso de um sistema de enchimento isobárico, resultados obtidos no mesmo dia são indispensáveis para uma rápida tomada de decisão) numa perspectiva de CQ, mas também numa perspectiva de produção e logística
2) Quão específico você pretende ser com o seu teste? É preciso ser capaz de identificar as espécies e mesmo as subespécies de micro-organismos? Este grau de especificidade terá impacto nas suas decisões e nas consequentes ações corretivas?
3) Que nível de sensibilidade é necessário para você se sentir confortável em relação à gestão de riscos e à tomada de decisões?
4) Como está atualmente estruturado o seu laboratório em termos de disposição. especialização e recursos disponíveis para a introdução de mais testes internos?

É provável que você tenha decidido implementar internamente os testes de deteriorantes, pela proximidade ao local de produção, com o objetivo de ter uma melhor gestão de riscos e reatividade caso surjam problemas. Da mesma forma, ser capaz de tomar decisões proativas por informações disponibilizadas ao longo de todo o processo de produção, graças a rapidez dos dados de  provenientes do laboratório de CQ. Certas etapas exigirão resultados mais rápidos do que outras (por exemplo, a cerveja geralmente permanece no Bright Tank menos de 24 horas antes do engarrafamento). Não se esqueça também que você pode distribuir as suas cervejas mais rapidamente, o que ajuda o fabricante em termos de espaço de armazenamento na cervejaria, além de aumentar a saudabilidade financeira.

Um teste de rastreamento inespecífico : 

Em determinados casos, um teste de rastreamento inespecífico pode ser visto como uma ferramenta para identificar um possível problema. Dependendo do teste, a falta de especificidade pode não ser capaz de indicar se um dado problema é microbiológico ou de limpeza. Contudo, no caso de uma inspeção pós-sanitização, eles ajudam a verificar eficácia do processo de limpeza, por exemplo, o procedimento CIP. Um bom exemplo disto é a utilização do teste de bioluminescência de trifosfato de adenosina ATP em amostras de água de lavagem pós CIP. Se o valor for positivo de acordo com normas validadas pela cervejaria (por exemplo, limite de > 10 RLU ), então a limpeza talvez tenha de ser repetida. Em cultura microbiológica tradicional, a mudança de cor e/ou formação de colónias não determina qual o organismo ou família de organismos estão sendo identificados (ainda que isto seja alegado). Tampouco identifica o nível de contaminação, dado fundamental na tomada de uma decisão com base em resultados (por exemplo, pode ter efeitos positivos para organismos que não são preocupantes, mas também pode deixar passar aqueles que são potencialmente problemáticos) 
 

Exemplos de um teste não específico:

1) O teste de bioluminescência ATP é um método de teste simples que verifica a eficácia da limpeza em segundos. A conceito baseia-se na detecção de resíduos orgânicos em superfícies e em amostras de água usando uma reação bioluminescente (onde há ATP, há células, mas isto pode variar nos resíduos de malte/lúpulo, levedura de cerveja ou deteriorantes de cerveja).
2) Agar de Cerveja Universal: Meios de cultura microbiológicos tradicionais inespecíficos aos quais se adiciona cerveja para cultivar bactérias e leveduras encontradas na indústria da cervejeira. A visualização do crescimento das colônias pode demorar até 10 dias. A colônia requer, então maior grau de identificação bioquímica (por exemplo, identificação com galerias API) para decidir sobre a sua relevância para a qualidade da cerveja.

Testes específicos : Podem ser divididos em: 1) teste de detecção específicos para uma grupo de deteriorantes de cerveja (por exemplo, bactérias produtoras de ácido láctico) 2) identificação específica de uma espécie bacteriana. Como esperado, são mais específicos do que os testes de descritos anteriormente. 

O nível de identificação de que o gestor de CQ necessita para tomar a "decisão certa" é discutível. Consideremos os deteriorantes de cerveja bactérias acidoláticas (BAL). 

A lista publicada de deteriorantes de cerveja está em constante evolução devido à capacidade das bactérias de evoluir e desenvolver resistência ao ambiente da cervejaria (por exemplo, pH, % de álcool, presença de ácidos do lúpulo). As novas espécies são reconhecidas pela capacidade de sobreviver ao “ambiente hostil” e, assim, tornam-se deteriorantes.

Se uma tecnologia estiver centrada na identificação específica, então não detectará o aparecimento de novos deteriorantes que se adaptaram e, portanto, ao longo do tempo, ela correrá o risco de deixar escapar deteriorantes de cerveja, incorrendo em consequências econômicas para a cervejaria. Além disso, a identificação específica de um determinado deteriorante, por exemplo, L.brevis versus L.buchneri, não terá qualquer influência sobre as medidas corretivas necessárias. Porém, é importante para a cervejaria identificar todos os deteriorantes de cerveja produtores de ácido lático e que possam sobreviver no ambiente hostil da cerveja. Esta é a abordagem de certas plataformas tecnológicas que optaram por detectar a presença dos genes horA e horC responsáveis pela resistência ao lúpulo.

Exemplos de deteriorantes responsáveis pela maior parte dos problemas e que devem ser identificados: 

1) Bactérias láticas deteriorantes de cerveja (apenas Lactobacillus e Pediococcus relevantes).
2) BAL deteriorantes de cerveja, que possuem genes de resistência ao lúpulo (horA e horC).
3) Bactérias anaeróbias obrigatórias – Megasphaera spp. e Pectinatus spp.
4) Levedura Dekkera spp. (levedura selvagem – Brettanomyces).
5) Sacharromyces cerevisiae var diastaticus. 

A relevância da utilização de um teste depende não só da sua especificidade (assegurando que quando há um positivo, trata-se apenas de um possível deteriorante de cerveja detectado), mas também do seu limite de detecção (a sua "sensibilidade"), porque se não for suficientemente baixo, só se detectará a presença de um contaminante quando a qualidade da cerveja já tiver sido afetada ou quando for tarde demais para tomar qualquer ação, o que implicaria, portanto, em consequências financeiras. 
Um limite de detecção suficientemente baixo proporciona "tempo para tomada de ação corretiva". Neste caso, é expresso pelo número de UFC/ml (unidades formadoras de colónias por mL) que o teste é capaz de detectar de forma confiável.

Este limite deve ser suficientemente baixo para:

1) Assegurar um resultado positivo antes que qualquer alteração sensorial da cerveja seja detetada
2) Ser suficientemente baixo para que haja uma probabilidade muito baixa do microrganismo se multiplicar a ponto de afetar a qualidade da cerveja durante seu tempo de prateleira 
3) Dar tempo suficiente para que a cervejaria/gestor de qualidade tome medidas corretivas quando necessário 

Existem métodos microbiológicos para aumentar a sensibilidade de um teste, em particular a inoculação da amostra num caldo de enriquecimento adaptado (frequentemente entre 24 e 48 horas) e a sua incubação em estufa a uma temperatura determinada para permitir que os microrganismos se multipliquem antes do teste, caso em que as vantagens de um resultado rápido são perdidas.

Para que uma tecnologia seja considerada adequada, além dos critérios acima mencionados, considere também a facilidade de implementação em seu laboratório, que dependerá de vários fatores:

1) Há espaço disponível no seu laboratório?
2) O seu laboratório está atualmente equipado para a cultura de micro-organimos?
3) Quanto tempo a gestão pode se dedicar ao laboratório?
4) O seu chefe de laboratório possui formação e competência técnica em microbiologia?

Uma vez esclarecidas estas questões, você estará preparado para avaliar as tecnologias de detecção de deteriorantes da cerveja que existem atualmente.