PARTE 1 - Deteriorantes de cerveja: Quais são os deteriorantes da cerveja mais preocupantes?
Deteriorantes da Cerveja: Quais são os deteriorantes da cerveja mais preocupantes?
Do ponto de vista da saúde humana, a cerveja tem sido historicamente considerada uma bebida segura (por exemplo, em comparação com a água), uma vez que nela não foram encontrados agentes patogênicos. Isto se deve não apenas ao cozimento do mosto, mas também ao teor de álcool, ao efeito do lúpulo e a um pH baixo. Entretanto, certos contaminantes, os chamados "deteriorantes de cerveja" podem propagar-se na cerveja e serem responsáveis por sabores anormais, aromas ácidos e desagradáveis, assim como cervejas turvas.
Do ponto de vista da fermentação, deteriorantes podem também interferir e competir por nutrientes essenciais com a "levedura de cerveja" utilizada conscientemente pelo mestre cervejeiro; resultando em"parada de fermentação" ou "atenuação excessiva" da cerveja.
Existem dois grandes grupos de microrganismos responsáveis pela contaminação do mosto e da cerveja:
- Bactérias
- Leveduras selvagens
A seguir, uma visão geral dos deteriorantes publicados (Bokulich 2013). Os deteriorantes de cerveja mais frequentemente encontrados foram destacados em cores, onde as bactérias láticas (em laranja) são consideradas responsáveis por 60-90% da contaminação.
Bokulich, N.A. and Bamforth, C.W. (2013) The Microbiology of Malting and Brewing. Microbiology and Molecular Biology Reviews, 77, 157-172
Deterioração bacteriana
Enquanto o mosto de cerveja pode ser considerado como um meio de cultura microbiológico, a cerveja em si é considerada como uma bebida microbiologicamente estável devido à presença de etanol (0,5-10%); aos compostos amargos de lúpulo, a saber, os iso-alfa-acidos (presentes geralmente numa concentração de 17-55ppm); um nível elevado de CO2 (0,5% p/v); um teor extremamente baixo de oxigênio (<0,1 ppm), que torna a cerveja um meio quase anaeróbio; um pH proibitivamente baixo (variando frequentemente entre 3,7-4,8) com ainda o fato de que boa parte dos nutrientes foi esgotada após a fermentação com levedura.
De um ponto de vista de classificação, as bactérias Gram-positivas são mais frequentemente encontradas, algumas Gram-negativas também podem ocasionalmente ser responsáveis pela deterioração da cerveja.
As bactérias Gram-positivas (nas quais a parede celular retém o corante roxo da coloração de Gram - dando uma aparência violeta sob microscópio) geralmente não sobrevivem na cerveja e isto inclui até possíveis patógenos. No entanto, certas espécies dos gêneros Lactobacillus e Pediococcus, frequentemente referidas como bactérias do acidoláticas (BAL), podem sobreviver sendo, de longe, os deteriorantes de cerveja mais encontrados.
Bactérias acidoláticas - Amigas ou inimigas?
Amigas: Como o seu nome genérico sugere, produzem ácido lático, que é um ácido mais suave e de sabor mais limpo do que o ácido acético. As cervejas azedas de trigo alemãs, como Berliner Weisse e Gose são acidificadas com este tipo de bactérias, também sendo encontradas em fermentações de cerveja lambic.
Inimigas: Responsáveis por 60-90 % das contaminações e, consequentemente, ganhando o troféu de problema de contaminação mais frequente (Back 2003). Estas espécies que deterioram a cerveja apresentam uma forte resistência aos iso-alfa-acidos do lúpulo [caracterizados pela presença dos genes horA e horC] (Suzuki et al 2005).
Porque é importante determinar se as BAL possuem os genes de resistência ao lúpulo?
A capacidade de diferenciar as bactérias láticas que possuem os genes horA e horC das que não possuem é importante para a cervejaria e para o gestor de controle de qualidade, pois permite estimar o nível de risco de deterioração do produto final (por exemplo, as bactérias que contêm genes são uma ameaça real para a qualidade, enquanto as bactérias sem os genes são mais um indicador de higiene). Até o momento, na prática, isto só é possível com testes baseados em PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) no laboratório da cervejaria.
Seria fácil cultivar as BAL da cerveja numa placa de Petri?
A facilidade e velocidade de crescimento das BAL têm sido frequentemente observadas como inconstantes nos meios de detecção de Controlo de Qualidade e isto é especialmente válido para o isolamento primário de cepas de BAL, levando à falhas de detecção das BAL deteriorantes por testes de CQ nas cervejarias (Suzuki 2012). Uma das principais razões para isto é a adaptação destes organismos aos ambientes de cervejaria, o que significa que o ambiente dos meios de cultura deixa de ser ideal (por exemplo, perfil nutricional, pH).
Lactobacillus
Bactérias Gram-positivas e anaeróbias facultativas ou microaerofílicas, em forma de bastonete, não formadora de esporos. Entre os mais de 100 lactobacilos, apenas 13 ou 14 são considerados como deteriorantes de cerveja. O mais comum é o Lactobacillus brevis , que é heterofermentativo (ou seja, pode produzir álcool ou ácido lático a partir dos açúcares) e tem crescimento ótimo a 30 °C e em pH 4-6.
O Lactobacillus lindneri é o segundo mais frequentemente encontrado e é altamente resistente ao lúpulo (Back, 1981) tendo crescimento ótimo a 19-23°C (Priest, 1987), e sobrevivendo a tratamentos térmicos mais elevados do que outras BAL
Lista de "lactobacilos deteriorantes de cerveja"
Lactobacillus brevis, lindneri, buchneri, parabuchneri, casei, coryneformis, malefermentans, curvatus …
Os Lactobacillus são normalmente difíceis de cultivar em muitos dos meios de detecção laboratorial prescritos para indústria cervejeira, e muitas vezes causam incidentes de deterioração sem serem detectados pelo controle de qualidade microbiológica (CQ). Há relatos de que quando são expostos a fatores de estresse (álcool, pH baixo, resinas de lúpulo...), entram num estado dormente no qual são viáveis mas não cultiváveis (VNC).
Além disso, estas bactérias podem ou não ter os genes de resistência ao lúpulo (hor A e hor C), impossíveis de ser detectados pela microbiologia tradicional, mas que devem ser reconhecidos, uma vez que isso determinará não somente a capacidade de sobreviverem na cerveja, mas também de se multiplicarem e deteriorarem a cerveja posteriormente.
Pediococcus
Cocos Gram-positivos, anaeróbios facultativos com propriedades homofermentativas (converte a glicose para produzir apenas ácido láctico). Contudo, os metabólitos variam dependendo das condições e tipicamente a deterioração da cerveja por Pediococcus produz diacetil como um importante subproduto.
Lista de "Pediococos deteriorantes de cerveja"
Pediococcus damnosus, acidilactici, pentosaceus, , parvulus, inopinatus, halophilus, dextrinicus,e urinaeequi.
P. damnosus cresce a uma temperatura bastante baixa e a sua temperatura ótima situa-se entre 22-25°C. Devido à sua capacidade de crescer mesmo a baixas temperaturas, a deterioração pode ocorrer na fase de fermentação e maturação da produção de cerveja, mas também nos produtos já envasados. A contaminação por Pediococcus é também um problema no início da fermentação, pois acredita-se que a bactéria se ligue à superfície da célula da levedura e se torne difícil de remover.
Além disso, estas bactérias podem ou não ter os genes de resistência ao lúpulo (hor A e hor C), impossíveis de ser detectados pela microbiologia tradicional, mas que devem ser reconhecidos, uma vez que isso determinará não somente a capacidade de sobreviverem na cerveja, mas também de se multiplicarem e deteriorarem a cerveja posteriormente.
Bactérias Gram-negativas
Apenas poucas bactérias Gram-negativas têm sido responsáveis pela deterioração da cerveja. Estas bactérias estão divididas em duas categorias:
1) As comumente encontradas - anaeróbios obrigatórios dos gêneros Pectinatus, Megasphaera e Zymophilus
2) Bactérias Gram-negativas aeróbias e anaeróbias facultativas, tais como acetobactérias (AAB), Zymomonas e certas espécies de Enterobacteriaceae.
Anaeróbios obrigatórios: Bactérias Pectinatus e Megasphaera: Estas bactérias Gram-negativas anaeróbias são encontradas menos frequentemente como deteriorantes de cerveja em comparação com as BAL. No entanto, ao contrário das BAL, quando presentes, Pectinatus e Megasphaera são consideradas como deteriorantes obrigatórios de cerveja (Sakamoto e Konings, 2003), isto é, se forem identificadas, indica que há uma situação de contaminação a ser resolvida. São capazes de encontrar nichos apropriados em cervejarias, onde podem sobreviver durante anos sem causar efeitos óbvios (Hakalehto, 2000). Além disso podem causar contaminação e deterioração da cerveja devido a algumas falhas técnicas ou limpeza inadequada,
Pectinatus são bastonetes móveis retos a ligeiramente curvos que ocorrem geralmente como células isoladas ou em pares. O nome do gênero é derivado do latim "pecten" = pente, uma vez que a forma característica é a de um pente - flagelos (numerados de 1-23) estão situados em apenas um dos lados da célula. A faixa de temperatura de crescimento é de 15°C-40°C, com ótimo entre 28°C-32°C. Morrem a temperaturas superiores a 50°C.
Ocorrência em cervejarias: Cerveja não pasteurizada com baixo teor alcoólico (<5%), área de envase da cerveja, biofilme Sabor/aroma anormal: Ovo podre, odor desagradável |
Produtos metabólicos: Ácido acético, ácido propanoico, ácido láctico, ácido succínico, H2S, acetoína, metil mercaptano e outros compostos sulfúricos. |
Megasphaera têm a forma de cocos ligeiramente ovalados e ocorrem isoladamente ou em pares.
Dentro do gênero Megasphaera, distinguem-se cinco espécies, dentre as quais figuram as espécies Megasphaera cerevisiae, Megasphaera paucivorans e Megasphaera sueciensis que possuem íntima relação com cerveja deteriorada.
Ocorrência em cervejarias: Cerveja não pasteurizada com baixo teor alcoólico (<5%), área de envase da cerveja, biofilme Sabor/aroma anormal: Odor desagradável |
Produtos metabólicos: H2S, ácido butírico, ácido isobutírico, ácido cáprico, ácido valérico, ácido isovalérico |
Selenomonas inclui atualmente 10 espécies, das quais apenas uma, Selenomonas lacticifex, foi isolada a partir de levedura de cerveja contaminada (Schleifer et al., 1990) e mais recentemente também a partir do biofilme na superfície de um equipamento na linha de engarrafamento (Vávrová et al., 2014).
Ocorrência em cervejarias: Início da fermentação Sabor/aroma anormal: Odor desagradável |
Produtos metabólicos: Ácido acético, ácido láctico e ácido propanoico |
Zymophilus: existem duas espécies, Zymophilus paucivorans e Zymophilus raffinosivorans, que se encontram sempre em operações de cerveja - em início de fermentação e em resíduos da produção. O nome Zymophilus é derivado a partir de algo bem comum: levedura, do grego "zyme" = levedura e "philos" = amigo (Schleifer et al., 1990). As bactérias do género Zymophilus são retas a ligeiramente curvadas em forma de bastonetes móveis (com movimento de hélice) que ocorrem mais frequentemente isoladamente, aos pares, ou menos frequentemente, em cadeias curtas.
Ocorrência em cervejarias: Início da fermentação ou resíduos de processo Sabor/aroma anormal: Odor desagradável |
Produtos metabólicos: Ácidos acético, ácido láctico e ácido propanoico |
Bactérias acéticas
As bactérias acéticas oxidam o etanol para produzir ácido acético (vinagre) e são, portanto, tipicamente utilizadas para a produção comercial de vinagre. Esta família de bactérias Gram-negativas (Acetobacteriaceae) inclui cerca de 10 gêneros dos quais os mais comuns são Acetobacter, Gluconobacter, e Gluconacetobacter.
As bactérias acéticas são amplamente distribuídas e encontradas particularmente em plantas, frutos e no ar, e provocam uma deterioração grave da cerveja quando seu acesso ocorre ainda na presença de oxigênio. Por serem tolerantes a ácido e etanol e não inibidas por compostos de lúpulo, crescem rapidamente na cerveja, resultando em sabores ácidos anormais e turbidez. No entanto, enquanto a cerveja estiver apropriadamente armazenada e os níveis de oxigênio forem baixos, as bactérias acéticas não constituem um problema. É por isso que que causam problemas mais frequentes nas cervejas acondicionadas em barril e durante a distribuição.
Acetobacter: Entre as espécies de bactérias acéticas (AAB) reconhecidas, dez espécies de Acetobacter foram associadas a ambientes de cervejaria sendo que Acetobacter aceti, Acetobacter liqueficiens, Acetobacter pastorianus e Acetobacter hansii são frequentemente encontradas.
Ocorrência em cervejarias: Mosto, torneiras, barris de cervejas, cervejas envelhecidas em barril, biofilme. Sabor/aroma anormal: Sabor azedo, avinagrado |
Produtos metabólicos: Ácido acético |
Gluconobacter: Apenas uma espécie de Gluconobacter (Gluconobacter oxydans) foi identificada como estando regularmente associada a ambientes de cervejaria. No entanto, a Gluconobacter cerevisiae também tem sido reportada.
Ocorrência em cervejarias: Mosto, torneiras, barris de cervejas, cervejas envelhecidas em barril Sabor/aroma anormal: Sabor azedo, avinagrado |
Produtos metabólicos: Acetato, ácido acético |
Zymomonas: Bastonetes curtos e arredondados que ocorrem individualmente, aos pares e, às vezes, em cadeias ou rosetas. Estas bactérias são Gram-negativas e catalase positivas. Zymomonas são anaeróbias aerotolerantes e facultativas por natureza. Zymomonas são tolerantes ao etanol (abaixo de 10% de etanol v/v) e crescem otimamente em pH acima de 3,4 e à temperatura de 25˚C - 30˚C.
Ocorrência em cervejarias: Cervejas carbonatadas (não encontrada em lagers). Sabor/aroma anormal: Frutado, maçã podre, ovo podre |
Produtos metabólicos: Acetaldeído e H2S |
Enterobacteriaceae
Esta é uma grande família de bactérias Gram negativas anaeróbicas facultativas. Várias espécies pertencentes à família Enterobacteriaceae como Klebsiella, Citrobacter, Obesumbacterium e Hafnia são consideradas como associadas ao mosto fermentado ou não fermentado. Todas têm a capacidade de utilizar a lactose, resultando em formação de gás e ácido a temperatura de 35ºC - 37ºC num período de 48 horas. Normalmente estas bactérias não se desenvolvem na cerveja acabada, mas ocasionalmente são encontradas nas fases iniciais do processo de produção da cerveja, trazendo sabores desagradáveis no produto final. Os coliformes são indicadores das condições de higiene e do nível sanitário nas fábricas.
Obesumbacterium spp: Esta bactéria foi identificada em leveduras e mosto em fermentação, contudo, nunca foi observada em cerveja devido à sua incapacidade de se desenvolver abaixo do pH 3,9. O. proteus é encontrada nas fases iniciais da fermentação, onde concorre com a levedura por nutrientes, e contribuindo, assim, com uma taxa de fermentação mais lenta. Obesumbacterium proteus também produz metabólitos como o dimetil-sulfóxido (DMS) que, é responsável por um sabor singular (que remete à mandioquinha-salsa, pastinaca), além de acetoína, ácido lático, propanol, isobutanol e 2, 3-butanodiol.
Ocorrência em cervejarias: Adição de levedura de fermentação e de mosto Alterações de sabor/aroma: Pastinaca, cheiro de enxofre |
Produtos metabólicos: dimetil-sulfóxido (DMS), diacetil, álcoois de cadeia longa, N-nitrosaminas, acetoína |
Outros coliformes que podem ser encontrados no processo
Ocasionalmente observados, coliformes servem como micro-organismos indicadores de higiene e normalmente não têm capacidade de se desenvolver na cerveja acabada. Podem ser encontrados nas fases iniciais do processo de produção de cerveja, trazendo sabores desagradáveis persistentes até o produto final
Foram observados coliformes como Citrobacter freundii, Rahnella aquatilis, Klebsiella oxytoca e Klebsiella terrigena no mosto, tanto fermentado como não fermentado. No entanto, estas bactérias são inibidas pelo álcool e ocorrem apenas durante as fases iniciais da fermentação, sendo raramente encontradas na cerveja.
Citrobacter freundii é um bastonete anaeróbico facultativo, móvel, morfologicamente fino, que ocorre isoladamente ou aos pares, e catalase positivo. Esta bactéria é inibida pelo álcool e ocorre apenas durante as fases iniciais da fermentação e é raramente encontrada na cerveja. A presença da mesma é associada a uma melhor taxa de fermentação e produção de diacetil, ácido lático, acetaldeído e dimetil-sulfóxido (DMS).
Klebsiella terrigena e K. oxytoca já foram identificadas no processo de cerveja. As espécies de Klebsiella são importantes, pois produzem off-flavor fenólico produzido a partir da descarboxilação do ácido ferúlico presente no mosto, assim como algumas leveduras selvagens.
Rahnella aquatilis (anteriormente Enterobacteragglomer) foi isolada de várias fontes, tais como solo, água, alimentos, material vegetal e ocasionalmente de amostras clínicas. Nos ambientes das cervejarias, tem sido relatado como contaminante em leveduras de alta fermentação e mosto fermentado.
Leveduras selvagens
Uma levedura selvagem, por definição, é aquela que “não foi usada deliberadamente e sob controle total” e muitas vezes é oriunda do meio ambiente. Com exceção da lambic e de outras cervejas de fermentação espontânea, as leveduras selvagens são consideradas organismos deteriorantes na produção de cerveja e devem ser evitadas a todo o custo. Vale salientar, no entanto, que nem todas as leveduras selvagens irão prejudicar a cerveja, mas a presença delas é um indicativo de um problema sanitário na fábrica.
Quando o assunto é “leveduras selvagens”, estas normalmente são divididas em “leveduras Saccharomyces” e “leveduras Não Saccharomyces ”
Leveduras não-Saccharomyces
- Leveduras Brettanomyces/Dekkera:
O gênero Brettanomyces foi isolado pela primeira vez na Grã-Bretanha (1904) - do grego "Brettano" (cervejaria britânica) e "myces" (fungo). Brettanomyces é a variante assexuada (não formadora de esporos) enquanto Dekkera é a variante telemórfica (sexuada) equivalente. Existem atualmente descritas 5 espécies de Brettanomyces.
Brettanomyces (Brett) consegue resistir a altos níveis de álcool e também pode desenvolver-se em ambientes com pouco oxigênio, assim como em ambiente de pH baixo, o que significa que pode desenvolver-se em ambientes de fermentação alcoólica. Também é capaz de fermentar açúcares em condições aeróbicas (conhecido como efeito Crabtree) e tem uma estratégia adicional para competir com outros micro-organismo pela capacidade de produzir ácido acético em condições aeróbicas. Brett também é capaz de superar a S. cerevisiae em determinadas condições de fermentação. Brett pode metabolizar uma grande variedade de fontes de carbono, por exemplo, maltose e frutose, assim como, obviamente, a glicose e até açúcares complexos que não são facilmente utilizados pela S. cerevisiae , tal como a celobiose e as dextrinas, resultando assim em cervejas “superdensas” com níveis mais altos de álcool e concentrações mais baixas de açúcar.
Outras leveduras não-Saccharomyces têm capacidade de se desenvolver na cerveja e de serem ocasionalmente observadas (por exemplo Pichia spp, Candida spp, Torulaspora delbrueckii e Zygosaccharomyces…)
Em geral, sob condições ideais de acesso limitado ao oxigênio, a toxicidade do etanol e à competição por nutrientes com a Saccharomyces o potencial de deterioração das mesmas é limitado . A maioria destas leveduras pode ser encontrada em todo o processo de cervejas, particularmente em escotilhas para coleta de amostras que apresentem sujidade e em outras superfícies de contato com a cerveja. Produzem sabores estranhos (especialmente ácidos orgânicos e POF), turvação, sedimentação ou películas superficiais. Devem ser consideradas como contaminantes oportunistas, provocando a deterioração quando as condições são favoráveis, mas geralmente não são problema quando se dispõe de práticas modernas de fabricação. Estas leveduras são um problema mais frequente em cervejas fermentadas em barril, onde a entrada de oxigênio estimula o seu desenvolvimento, daí a necessidade de limitar o headspace durante a maturação em barril.
Levedura Saccharomyces selvagem
A contaminação cruzada com uma espécie de S. cerevisiae diferente da que é pretendida pode provocar problemas de sabor, assim como um desempenho de fermentação alterado. A levedura selvagem Saccharomyces mais problemática e mais reportada é a Saccharomyces diastaticus que surgiu há alguns anos como deteriorante e que é encontrada na indústria de cerveja de todo o mundo.
Saccharomyces cerevisiae var. diastaticus, como o nome sugere, é uma variante da S. cerevisiae que possui o gene STA (1, 2 ou 3). Estes genes fazem com que a levedura produza uma enzima chamada glucoamilase que confere a capacidade de hidrolisar os carboidratos mais complexos, especialmente a dextrina em açúcares simples, resultando em acentuada atenuação. Isto normalmente resulta em :
- Hiper atenuação (> 90%) e/ou fermentação secundária
- Carbonatação elevada (observada como “gushing”, extravasamento de espuma no momento da abertura do vasilhame)
- Alterações de sabor
Potenciais fontes de diastaticus:
• Falta de higiene :
- Nas instalações do envase (>70% dos casos reportados) [Meier-Dörnberg 2017]
- Nas instalações da produção
- No tanque de fermentação
- No armazém
• Matérias-primas:
- Leveduras
- Lúpulos (por ex. dry hopping)
NB. Podem ser usadas determinadas leveduras diastaticus na produção de cervejas complexas e interessantes. “Saison style” é o exemplo perfeito disso. O manuseio destas leveduras numa fábrica de cerveja exige cuidado e um plano de controle de qualidade bem estruturado visando a evitar a contaminação cruzada.
Pontos-chave
• As bactérias acidoláticas (BAL) (lactobacilos e pediococos) são responsáveis por 60-90% dos problemas de “deterioração da cerveja”.
• Existem mais de 100 espécies de lactobacilos, mas apenas aproximadamente 14 deles são reconhecidos atualmente como “deteriorantes da cerveja” .
• As BAL são de cultivo difícil e lento (2-4 dias) nos meios de CQ devido à sua profunda adaptação ao ambiente da cerveja, permitindo assim o risco de resultados falsos negativos.
• A presença de genes de resistência ao lúpulo hor A e hor C nas BAL é considerado como um indicador confiável em relação à gestão de risco e só pode ser detectado através dos métodos PCR
• As bactérias anaeróbicas (Megasphaera spp. e Pectinatus spp.) são geralmente encontradas apenas em cervejas com < 5% álcool e condições de muito pouco oxigênio. No entanto, quando presentes, são consideradas deteriorantes obrigatórios.
• Saccharomyces var diastaticus é a mais habitualmente responsável pelo “gushing” devido a uma segunda fermentação secundária. Uma vez encontrada, a fonte de contaminação pode ser principalmente da levedura ou da própria fábrica de cerveja.
• As “leveduras selvagens” (i.e. Brettanomyces/Dekkera) são problemáticas devido ao fato de serem resistentes a níveis elevados de álcool, de se desenvolverem tanto em ambientes com limitação de oxigênio como de baixo pH o que significa que se conseguem desenvolver na cerveja.
Referências:
Back W. 1981. Bierschadliche Bakterien – Taxonomie der bierschaldlichen Bakterien. Monatsschrift fur Brauerie, 34
Back W. 2003. Bioflime in der Brauerie und Getrankeindustrie – Brauwelt Online 23/25 1-5
Hill A.E 2015. Brewing Microbiology - 1st Edition
Meier-Dörnberg, T., Jacob, F., Michel, M., & Hutzler, M. (2017). Incidence of Saccharomyces cerevisiae var. diastaticus in the Beverage Industry: Cases of Contamination , 2008 – 2017, 54(4), 140–148.
Priest F.G. 1987. Brewing Microbiology. Elsevier Applied Science
Suzuki K et al 2005. Isolation of hop-sensitive variant from Lactobacillus lindneri and identification of genetic marker for beer spoilage ability of lactic acid bacteria. Applied and Environmental Microbiology, 71, 5089-5097
Suzuki K. 2012. 125th Anniversary review. Microbiological instability of beer caused by spoilage bacteria. Journal of the institute of brewing, 117