PARTE 2 - Deteriorantes da Cerveja: Quando um “deteriorante de cerveja” não é um “deteriorante de cerveja”?
Deteriorantes da Cerveja: Quando um “deteriorante de cerveja” não é um “deteriorante de cerveja”?
Os deteriorantes de cerveja são micro-organismos capazes de alterar o sabor, aroma ou aparência da cerveja de modo indesejável para a cervejaria (e para o consumidor!!). Embora haja alguma sobreposição, os produtores de cerveja procuram classificar os organismos deteriorantes nas categorias de “deteriorantes de cerveja” e "deteriorantes de mosto", sendo estes últimos inibidos em grande parte pelo álcool, pH, e/ou o ambiente anaeróbico criado pela fermentação da levedura (Priest 2003).
Tendo em vista a definição acima de “micro-organismos deteriorantes de cerveja”, a discussão sobre os mesmos fica completa sem destacar que alguns dos deles podem, a depender do tipo de cerveja pretendido ser os responsáveis por perfis únicos de cerveja, ao ser inoculados deliberadamente para chegar-se, por exemplo, a uma cerveja ácida, ou a um perfil de fermentação específico (por exemplo, cerveja lambic)
Se olharmos melhor a fermentação da cerveja lambic como um exemplo, existe uma infinidade de bactérias e de leveduras que se envolvem nas várias fases da fermentação. As publicações sobre este assunto (por exemplo, Van Oevelen et al., 1976) geralmente descrevem 4 estágios, cada uma com a sua microbiologia específica e que, se encontrada numa "sala de brassagem convencional", seria encarada como uma contaminação.
Fase 1: A fase Enterobacteriaceae inicia-se após 3 a 7 dias e é caraterizada por Enterobacter spp., Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli e Hafnia alvei como as bactérias isoladas com mais frequência, junto às leveduras Hanseniaspora uvarum, Naumovia (Saccharomyces) dairensis e Saccharomyces uvarum
Fase 2: Iniciada em após 3 a 4 semanas de fermentação e caracterizada por S. cerevisiae, S. bayanus/pastorianus e S. uvarum.
Fase 3: Após 3 a 4 meses de fermentação, ocorre a fase de acidificação com um aumento de Pediococcus spp. e ocasionalmente com a presença de Lactobacillus spp.
Fase 4: Brettanomyces spp. Torna-se predominante após 4 a 8 meses de fermentação
Palavra do microbiologista sobre a utilização de "deteriorantes de cerveja em potencial".
A microbiologia está naturalmente no centro do processo de produção da cerveja. Embora o objetivo da fabricação de cerveja seja aproveitar os efeitos microbiológicos positivos tanto da inoculação natural do ambiente como pela da introdução de leveduras e/ou cepas bacterianas específicas para a produção de cerveja, vale salientar que a utilização de "deteriorantes de cerveja em potencial" aumentará o risco de contaminação.
Põe-se atenção especial ao processo de produção da cerveja para identificar os pontos críticos onde pode ocorrer a “contaminação cruzada” e desenham-se e ações apropriadas - incluindo um plano de amostragem de controlo de qualidade - que leve em conta as zonas críticas de risco.
Exemplos de aspectos a considerar:
1- Armazenamento, identificação e manejo das leveduras/bactérias na produção de cerveja
2- Protocolos validados de limpeza de todas as superfícies de contato possíveis
3- Utilização de mangueiras dedicadas para a transferência da cerveja
4- Um plano de controle de qualidade nos pontos críticos (por exemplo, fermentador, tanque de cerveja filtrada e instalações de envase)
5- Planejamento em relação ao melhor momento para transferir e envasar a cerveja
Referências:
Priest, F. G. Brewing microbiology, 3ª ed. Nova Iorque: Kluwer Academic/Plenum Press, 2003
Van Oevelen, D., Spaepen, M., Timmermans, P., and Verachtert, H. (1977). Microbiological aspects of spontaneous wort fermentation in the production of lambic and gueuze. . J. Instit. Brew. 83, 356–360. doi: 10.1002/j.2050-0416.1977.tb03825.x